Padrões de coloração e resposta visual nos Ciclídeos Africanos

Padrões de coloração e resposta visual nos Ciclídeos Africanos

Cores nos Ciclídeos Africanos realmente criam um dos fatores mais chamativos dessa categoria de peixes: a beleza, especialmente nos ciclídeos do Malawi, que em coloração só perdem para os marinhos.
Quem já teve, tem ou terá um Ciclídeo Africano, soube, sabe ou saberá – respectivamente, hehehe – o que falo quando elogio as cores desses peixes. Do vermelho ao amarelo, das cores quentes ao azul, barras verticais e horizontais, manchas e pontos, adornam e caracterizam o corpo dos Ciclídeos Africanos, dando-lhes características que conferirão seu caráter singular de espécie. E melhor do que nós do CMCA, ou mesmo do que os taxonomistas especializados em identificar os Ciclídeos Africanos, os próprios peixes se guiam por essas diferenças. Diferenças estas, que às vezes de tão tênues nem os olhos mais experientes podem identificar, todavia, essas mesmas tênues peculiaridades são absolutamente necessárias para que os Ciclídeos Africanos se encontrem, relacionem, comuniquem e garantam que sua espécie continue a habitar os lagos da África.
Vamos ver como funciona isso, sem complicar muito?
As cores e suas nuances têm muita importância para os Ciclídeos Africanos. O padrão de cor nos Ciclídeos Africanos é considerado a parte essencial de seu comportamento e de sua evolução. É como se fosse a chave descoberta por eles próprios para poder garantir a sua especiação, já que as espécies de Ciclídeos Africanos dos grandes lagos, ainda são bem próximas entre si; umas mais e outras menos.
De forma geral poderia se dizer que os mais coloridos e brilhantes indivíduos reportam aos machos, enquanto que as fêmeas não apresentam tanta ênfase na coloração, talvez, porque tenham preferido investir no cuidado parental a se enfeitar de cores (...um pouco incomum, não acham?...hehehe). Aqui são as fêmeas que escolhem os machos pela coloração (como se preferissem o mais bem vestido). Essa seleção sexual talvez seja a mais tenaz força que conduz à especiação dos Ciclídeos Africanos.
Estudos comportamentais notificam que fêmeas têm êxito ao escolher parceiros co-específicos quando os meios visuais estão desobstruídos ou não mascarados. O que isso significa? O ato da reprodução acontece normalmente em amplas e iluminadas áreas, tanto para mbunas como para não-mbunas, onde a luz incide sem maiores filtros e pode revelar todo esplendor dos machos. Esse evento congrega centenas de machos, que ao mesmo tempo realizam seu display nupcial, mostrando tudo aquilo que seus genes são capazes de expressar. Nesse ato as fêmeas elegem seus pretendentes – depois disso, elas os deixam e vão incubar os ovos em locais mais apropriados.
Sugere-se que as cores dos machos sirvam para estimular melhor o sistema visual das fêmeas e realmente é muito provável que a coloração seja um dos principais atrativos para elas, as peixinhas. A cor passa muitas informações e não só beleza. A característica da coloração, por exemplo, tem sido associada à capacidade do macho em adquirir alimento com os pigmentos requeridos (carotenóides), assim, a fêmea não está escolhendo somente a cor em seu parceiro e sim a capacidade dele em competir, ganhar e sobreviver para poder proliferar a espécie. O display das vibrantes cores de reprodução dos machos e os padrões de coloração existente nas espécies revela uma importante chave de distinção entre espécies correlatas. Esse fato é refletido em diversos estudos que envolvem taxonomia, comportamento e genética. Como se pode ver, diversas linhas de estudos apontam para a importância da visão na escolha do parceiro e, conseqüentemente, na especiação (coisas que as fêmeas, sem estudar, já sabem a milhares de anos).
Mas como é essa visão? Eles enxergam cores ou se guiam apenas por brilhos e reflexos do sol que atinge as escamas?
Sim, eles enxergam cores. Seus olhos, ou melhor, seu sistema visual possui uma estrutura capaz de identificar (e responder a) cores em diversos comprimentos de onda num espectro luminoso. Para melhorar o entendimento: eles são capazes de identificar algumas cores, como azul, verde, amarelo e vermelho e, para a surpresa de muitos, até mesmo radiação ultravioleta-UV. Para que complicar se podemos escrever mais fácil, não é mesmo? Há quem goste de termos mais técnicos, por isso tento agradar a ambos.
Seu sistema visual é, grosso modo, composto de componentes chamados pigmentos visuais. Pigmentos visuais são compostos de um cromóforo (ou cromatóforos?) absorvedor de luz confinado num “componente protéico do pigmento de retina” (do inglês: opsin protein). O sistema visual dos ciclídeos (Lago Malawi), embora comporte 5 desses opsins (vou usar o nome inglês por ser menor), é baseado em apenas três, os quais variam de espécie para espécie, conforme delineamento da evolução.
Existem cinco classes primárias de opsins em vertebrados (como podemos deduzir não são somente os peixes que os têm):
RH1 (bastão opsin);
· SWS-1 (sensibilidade ao ultravioleta – cone opsin): estudos realizados sobre a tilápia Oreochromis niloticus – um ciclídeo cosmopolita dos rios e lagos da África – comparativamente a outras espécies (Dimidiochromis Compressiceps, Metriaclima Zebra e Labeotropheus fuelleborni), chegaram à identificação do gene que mantém o pigmento, fato que remonta à ancestralidade dos genes dessa família de opsins, o qual todos grupos de vertebrados possuem. Isso firma a hipótese da relação filogenética entre as espécies de ciclídeos dos três grandes lagos e faz a tilápia representar um precursor dos Haplocromídeos primitivos que deram origem aos ciclídeos dos lagos, justamente pela presença desse opsin. Dessa forma, é esperado que os ciclídeos dos lagos Tanganyka e Vitória também apresentem o mesmo gene (não esqueça que isso é um resumo grosseiro de uma pesquisa e o texto não é capaz de embasar um entendimento mais minucioso).
SWS-2 (existe SWS-2A e SWS-2B; sensibilidade aos comprimentos curtos de onda – cone opsin) – identifica azul;
RH2 (sensibilidade aos comprimentos médios de onda – cone opsin; similar ao RH1) – identifica verde;
LWS/MWS (sensibilidade aos comprimentos médio e longo de onda – cone opsin) – identifica vermelho.
Cada classe dessas acima tem sua característica estrutural, seqüências de aminoácidos nas cadeias de DNA, que certamente são os locais que controlam a qualidade da absorção de luz. As espécies de ciclídeos se utilizam sempre de três desses. O espectro de absorção de luz no cromóforo pode ser modificado pela alteração dos aminoácidos no opsin.
Algumas espécies têm esses mosaicos de retina bem definidos, como é o caso de Haplochromis burtoni (Malawi) ou de haplocromídeos do Vitória, estruturas estas constituídas por cones duplos e um tipo de cone simples no centro. Os cones simples têm pigmentos sensíveis a comprimentos de onda curtos, enquanto os duplos possuem pigmentos sensíveis a ondas médias e longas. A retina contém vários tipos de cones e cada cone tem um único pigmento visual que absorve luz em um determinado espaço no espectro luminoso. As espécies possuem similar absorção pelos cones.
Obs: o espectro de comprimentos de onda varia do ultravioleta (comprimento mais curto) ao infravermelho (comprimento mais longo).
Podemos observar uma comparação feita entre Metriaclima zebra e Dimidiochromis compressiceps. Chamo a atenção para as medidas que são feitas em nanômetros, cuja sigla é nm (unidade normalmente usada para medir comprimentos de onda e que equivale a 10-9 do metro, ou 0,000000001 m).
· D. compressiceps: 447 nm (SWS-2A); 536 nm (RH2); 569 nm (LWS) = (médio-longo)
M. zebra: 368 nm (SWS-1) 488 nm (SWS-2B) 533 nm (RH2) = (curto-médio)
Obs: Curto: 455-465 nm; Médio: 520-540 nm; Longo: 560-600 nm
Quais conclusões podemos tirar daí, a partir daquilo que falei sobre os opsins?
Existe sensibilidade por Metriaclima zebra ao ultravioleta. Mas, o que isso quer dizer? Bem, os mais sabidinhos já sabem que o UV está fora do comprimento de onda chamado visível, que são as cores que vemos. Mas, e aí? Qual a utilidade de se ver uma “cor” que “não é visível”?
Antes de responder diretamente vamos recordar que é Metriaclima zebra: é uma espécie monocromática, onde machos e fêmeas possuem apenas nuances de coloração diferentes; são azuis com barras verticais pretas (azul bem escuro). Após a descoberta de sua sensibilidade ao UV, muitos outros fatos passaram a fazer grande sentido às pesquisas, as quais começaram a vislumbrar que mbunas como o Metriaclima zebra, além de perceberem, respondem ao estímulo causado pela radiação UV. Como fator contribuinte as águas do Malawi estão entre as mais claras do mundo, logo, a transmissão do UV é viável. Assim, especula-se que o UV tenha um importante papel na transmissão de sinais entre os Ciclídeos Africanos.
Sabe-se que a coloração azul de Metriaclima zebra (assim como de outros mbunas) é altamente reflexível para o UV e seus locais de desova/cortejo se encontram em profundidades em que até 70% da radiação ultravioleta solar penetra (menos de 10m de profundidade), fatos que demonstram que existe utilidade para o uso de visão UV.
O uso pode refletir em auxílio na busca por alimento, navegação e até mesmo comunicação. Muitos dos mbunas são predominantemente herbívoros, alimentando-se das algas que crescem sobre as rochas, mas são constantemente observados subindo a coluna d’água para se alimentar de zooplâncton. Assim, cogita-se que eles utilizam a visão UV para detectar o zooplâncton.
Quanto à questão da navegação é improvável que eles utilizem a visão UV para navegar grandes distâncias, já que os machos estabelecem territórios fixos. Todavia, o movimento que realiza para atingir a superfície e voltar e reconhecer seu território pode ser associado à visão UV, bem como diferenciar fêmeas e machos.
Acredita-se que a sensibilidade ao UV pode ser perdida ou mesmo recuperada conforme idade. Nos mbunas – principalmente os que possuem coloração azulada – essa característica é apresentada na fase juvenil.
Mas nem tudo se resume ao mistério e provável papel da sensibilidade ao UV. Temos ciclídeos das mais variadas cores e padrões.
Dentro dessa miscigenação encontramos uma variedade peculiar chamada: OB (do inglês Orange Blotch), fenótipo onde o corpo é coberto por manchas irregulares, como as manchas de leopardos e onças. Essa condição está expressa principalmente nas fêmeas (na natureza machos OB representam menos que 1%) – fato pelo qual se associa essa característica a genes femininos. OB é uma expressão derivada de um gene dominante, mas ainda assim a variante OB é quase sempre menos comum (8-40% das fêmeas) do que a BB (azul com barras negras...já conhecida em Metriaclima zebra), a qual é encontrada em ambos os sexos. Esse padrão é encontrado em várias espécies dos lagos Vitória e Malawi, mas ainda não observado no Tanganyka ou outro lugar.
Num experimento realizado para encontrar a localização cromossômica da característica OB, foram intercruzados duas espécies distintas: um macho BB de Labeotropheus fuelleborni e uma fêmea OB de Metriaclima zebra. Ambas sendo a F1 de espécimes selvagens. Resultado: filhotes perfeitos, férteis e segregados, meio a meio, entre BB e OB. Em seguida houve o cruzamento entre a F1, gerando uma F2. São, então, confeccionados mapas genéticos que serão mais tarde comparados com mapas naturais, ou seja, de espécies selvagens, com vistas a encontrar o local cromossômico da característica OB, a partir de marcas que tornem evidentes tal caráter.
O caráter OB parece envolver uma alteração na distribuição/organização dos melanóforos que compõe as barras nos BB, na qual há uma orientação aleatória que causa o efeito em questão (OB). Fato interessante é que os filhotes OB e BB são praticamente indistinguíveis quando larvas ou até a recém liberação da incubação bucal.
Curiosidade para os sabichões: a variedade OB é mais abundante onde a água é relativamente mais clara. Óóóóóóó...e aí? Quem leu o artigo sobre hibridismo pode estar se lembrando que devido à baixa visibilidade e certas condições em que a luz é afetada existe hibridismo entre as espécies e que, muitas vezes, a variante OB é considerada híbrida. Logo, na natureza o OB não caracteriza hibridismo. Pegaram a idéia?

Outra curiosidade: Existem evidências de que machos nascidos de mães OB vêm a procurar parceiras OB quando maturos. Complexo de Édipo?
E quando as cores deixam, por algum motivo, de estar presentes?
Num experimento feito com rock-dwellers no lago Vitória (equivalente aos mbunas do Malawi), viu-se que fêmeas têm como primeiro estímulo a coloração do macho (nada de mistério para nós agora), no entanto, quando colocados sob luz monocromática, onde as características de cor desaparecem (é o que chamo de mascaramento da cor), as fêmeas passam a preferir os maiores e mais ativos machos. Logo, conclui-se que o fator “cor” dos machos é uma primeira barreira discriminatória.
Deu para sentir um pouquinho o tamanho da importância dos padrões de coloração na relação entre os Ciclídeos Africanos? Quanta informação está contida naquilo que apenas achamos bonito ou exótico, não é mesmo? É assim, descobrindo maravilhas, que continuo aumentando minha paixão por essa fantástica família de peixes: a família Cichlidae.

Johnny Bravo - 2004

Based on Todd Streelman and Karen Carleton works


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Comentários

Unknown disse…
Adorei! Leitura divertida e fácil de entender. Além de ajudar em um trabalho... rs